terça-feira, 21 de agosto de 2007

A sombra de "yes, minister": máquina fiscal


O mandato do Dr. Paulo Macedo como director-geral das Contribuições e Impostos foi celebrado unanimemente como grande êxito. Inicialmente famoso pelo salário elevadíssimo de quadro do BCP requisitado para o cargo, tornou-se depois conhecido por pôr o sistema fiscal a funcionar. Mas ainda não foi bastante celebrado pelo grande mérito de demonstrar a ineficácia do aparelho estatal, mesmo quando é eficiente.

Cobrar impostos é, antes de mais, um problema informático. No centro está uma base de dados, enorme mas elementar, que deve ser bem concebida e alimentada. Uma vez operacional, existem ainda inúmeros problemas de leis, regulamentos, excepções, protestos, aldrabices. Mas sem ela nada feito. Isto foi compreendido há mais de 20 anos e desde então sucessivos ministros, secretários de Estado e directores-gerais tentaram, sem sucesso, pôr a máquina a funcionar. Ainda falta fazer muita coisa, mas com Paulo Macedo a máquina funcionou. Por que razão esses excelentes profissionais falharam durante 20 anos? Porque se conseguiu agora?

O problema não é má qualidade dos funcionários. Paulo Macedo é o primeiro a dizê-lo: "Fui surpreendido pela positiva com as pessoas, com as possibilidades de realização e com a generosidade com que me acolheram. Vindo do sector privado, confesso que não imaginava a quantidade de pessoas de qualidade e com vontade de fazer melhor, num contexto difícil de redução de regalias e com uma média etária elevada." (Expresso, 4 de Agosto).

A questão é muito mais funda que o valor dos profissionais. Nos mais de 700 mil servidores do Estado há parasitas, carreiristas e incompetentes. Mas há também funcionários inteligentes, dedicados, briosos e eficientes. Aliás, apesar dos enormes disparates recentes de governos e sindicatos, este segundo conjunto ainda deve ser muito superior ao primeiro. Mesmo assim, como se viu, o sistema só funcionou sob um gestor externo.

A razão é fácil de entender: "Um dos factores que contribuíram para o meu desempenho foi o facto de eu ser um gestor profissional, com uma actividade para onde podia voltar a qualquer momento. A questão foi sempre colocada como uma questão monetária, e obviamente que a questão monetária é muito importante, mas claramente muito mais importante é a minha independência" (ibidem).

Paulo Macedo não tem carreira no Estado. A sua vida não depende de ministros e directores-gerais. Não terá de trabalhar com os colegas atingidos pelas suas decisões, não concorrerá com eles para as limitadas promoções. Paulo Macedo, sendo exterior, teve o seu trabalho vigiado de perto e foi avaliado pelo sucesso numa tarefa concreta. Os funcionários com quem trabalhou mergulham no anonimato, dependem de regras automáticas e avaliações invejosas. Não vivem de uma tarefa, mas de uma reputação, onde sucessos demasiado vistosos até podem ser prejudiciais.
Um gestor bancário existe para resolver problemas. Mas um funcionário que resolva um problema extingue o posto de trabalho. A administração pública está montada para servir o Estado, defender a lei, justificar-se, durar. Não é defeito, é feitio. Há mais de 20 anos que a clássica série da BBC Yes, Minister explicou isso muito bem.

Contratar a peso de ouro um gestor bancário para a tarefa foi um golpe de génio e um acto de grande coragem da dr.ª Manuela Ferreira Leite. O resultado poderá vir a revelar-se uma das mais influentes medidas na nossa máquina fiscal. Mas é, desde já, a mais abjecta confissão de incapacidade. Este grande sucesso na reforma da administração pública mostra a sua impossibilidade.

O Governo aposta na restruturação do funcionalismo para promover o que Paulo Macedo já lá encontrou: competência, profissionalismo, dedicação. Se funcionarem, essas medidas criarão uma administração mais avaliada, capaz, empenhada. E igualmente inoperante. Porque métodos de gestão empresarial só funcionam com gestores empresariais.

Pena que o Estado português tenha compreendido isto não nos serviços que nos são úteis mas naquele que nos vem ao bolso.


Texto de João César das Neves (professor universitário), publido em New@This por Nuno Batista.

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